Eu sempre fui apaixonada por mar e rio. Entre um e outro, a ordem da preferência se inverte de tempos em tempos. Minha irmã e eu aprendemos a nadar logo aos seis anos de idade no ribeirão da Velha, um bairro de Blumenau (SC). Todos os finais de semana de calor corríamos para piqueniques de dia inteiro por ali. Aos 8 anos mudamos de cidade para viver mais perto do mar. E ali, na pequena e pacata cidade de Navegantes, mar e rio se misturavam nas nossas vidas. Toda vez que precisávamos algo da vizinha Itajaí, cruzávamos um canal que separava as duas cidades. A barquinha era minúscula, balançava muito e minha mãe nos dava um impulso no braço para “adentrarmos” na condução. Tinha um pouco de medo, mas aquele passeio me fascinava. Ficava em pé, perto de um dos pequenos vidros transparentes, fixados na altura da água, observando lá de dentro o seu movimento.
Essa boa relação com este líquido precioso me fez acreditar que cidades que têm um rio cortando suas terras são mais encantadoras. E quando existe a possibilidade de usufruir dele, de se aproximar das suas margens, de conviver mais perto, a conexão entre as pessoas e as águas que por ali escoam, tende a ser muito diferente. O rio, o mar, viram poesia, tema de canções, preces, local de festas, espaço de silêncio, fonte de alimento, motivo de orgulho.
Dos rios que conheci na fase adulta me apaixonei por muitos. Me encantei com o Sena, onde vi piqueniques nas suas margens e experimentei um passeio noturno para apreciar a cidade a partir de um outro ponto de vista. Fiquei fã do Ganges (Índia), que além de ser sagrado e venerado, na região de Rishikesh serve para rafting e abriga escadarias, possibilitando uma proximidade maior, seja para lavar a roupa, o corpo ou purificar a alma. Amei muito o rio São Francisco, que, em algumas cidades, é motivo de sobrevivência. Muitos ali pescam, outros navegam, apreciam o pôr do sol, banham-se e o veneram. Fiquei sem ar com o pôr do sol do Guaíba, na agitada Porto Alegre. E ainda sou muito fã dos ribeirões dos bairros Encano e Warnow, próximos da minha cidade.
Em direção contrária, é muito triste, mas posso dizer que nunca senti paixão pelo rio Itajaí-Açu, em todo o trecho que corta a cidade onde nasci. Me sinto distante do nosso rio. Fiz várias caminhadas, contemplei, tentei me aproximar dele, mas não temos uma relação. Sempre pensei muito sobre isso. Cheguei à conclusão que pode ter a ver com a dor que ele traz a todos quando transborda. E também com a falta de acesso. As margens estão ocupadas com casas ou ribanceiras. A maior parte das escadarias foi fechada com uma cerca. A “prainha”, que fica no centro da cidade, estava por muito tempo esquecida. Não há passarelas para piqueniques próximos da água. Não há passeios para nele navegarmos. Nem qualquer esporte é ali praticado. Não localizei ainda um local para ver o pôr do sol. Alguns arriscam-se na pescaria, mas as águas não são nada confiáveis. Temos pontes. E no centro até uma calcada margeando do alto a água. Mas continuo muito distante do rio. Minha proximidade com o Itajaí-Açu se dá quando ele quer. Quando ele enche e se aproxima das ruas e das casas, fato que acontece desde que os fundadores por aqui chegaram, o que isenta o rio de qualquer culpa por sua fúria. A culpa é nossa, afinal nos estabelecemos em local errado. Vou continuar a me esforçar para melhorar a minha relação com o Itajaí-Açu. Já marquei um passeio de bote, novidade na cidade, e já estive na prainha, depois da revitalização iniciada por um movimento lindo.
A nossa relação com a água começa junto com o primeiro minuto da nossa vida, na barriga da mãe. Mas este líquido ocupa um papel importante na agricultura, também como fonte de energia e ainda como local de transporte. É simplesmente responsável pela nossa sobrevivência.
Mas a água não é alimento somente para o corpo. É também para a alma.